Acordei e fui trabalhar, resolver uns problemas.
Depois saí correndo para ver minha avó no hospital.
Lá estava ela, entubada, inchada, dopada e semi-consciente. Sofreu uma parada cardíaca no meio da noite. Demoraram alguns minutos para reanimá-la. Minha prima se disse positiva. Disse que ela apresenta um quadro bom por um lado, ruim para o outro, e explicou, mas não sou capaz de reproduzir aqui.
Fiquei muito impressionada de ver minha vozinha assim. Falei com ela, pois me disseram que, embora não demonstrasse, ela me ouvia. Falei, mas fiquei com medo de falar o que não devia. Basicamente repeti que a amava e que a veria amanhã.
Espero muito poder vê-la novamente amanhã. Fiquei com medo de estar mentido. Não sei mentir. Tive que sair correndo, pois não sabia o que falar para ela depois de ter dito algo que poderia ser uma mentira.
No corredor, a família chorava e ria, porque um dos defeitos da família por parte de pai não é o mau-humor. O mau-humor eu herdei do lado da minha mãe, provavelmente. Rimos de uma situação tragicômica que meu pai me contou. Ele estava hoje em uma reunião com engenheiros. Quando souberam do estado de minha avó uma dos presentes quis fazer uma oração. Pararam para orar e ela começou:
“Por favor, meu pai querido, que está já aí no outro plano, receba bem a mãe de Antônio Carlos, que em breve se juntará a você...” Daí meu pai levantou e disse: “Espera aí. Pode parar a oração que minha mãe daqui não sai. Manda teu pai aí esperar mais um pouco, viu?”
Tragicômico...
A família riu descontroladamente.
A situação da minha avó me fez ver que há algo nessa família de que realmente gosto.
Falávamos também das intermináveis primeiras 48 horas, que nunca venciam. Nunca vencem. São crusciais e, por isso mesmo, não passam. Parece que já tem três dias que operaram minha avó. Mas não faz ainda 48 horas.
Saí de lá correndo. Tinha Detran marcado, renovação de carteira. E sair de lá correndo foi um alívio. Minha mãe, que estava comigo e foi visitar minha avó, saiu comigo. Fomos falando sobre qualquer coisa diferente. Trabalho, dinheiro e Ruanda, como eu não poderia deixar de falar, pois esse se tornou meu assunto favorito, e minha escapatória de ontem à noite. Ruanda e sua história. Ruanda e suas mortes.
Depois do Detran vim para casa e, sozinha, voltando das compras no supermercado, comecei a rezar.
Explico uma coisa: não acredito em Deus. Não sou atéia tampouco. Apenas não sei o que vem depois e assim me mantenho. Algo eu vou virar, como poeira ou comida de larva. Se no plano espiritual isso também vai acontecer eu não sei. Mas não importa, realmente. Tenho fé de que, seja o que for, vai ser tranquilo. Afinal, tudo e todo mundo passa por isso. Faz parte. É natural.
O que importa é que eu me dou uma licença poética quando se trata de Deus, ou do Deus dos outros. Não rezo quando estou em apuros, porque acho isso errado, incoerente e, no caso de haver um deus mesmo, acho escroto só falar com ele quando eu estou precisando de um favor. Por isso não falo nunca, nem naqueles momentos em que eu queria muito falar. Minha licença poética se dá quando eu preciso pedir alguma coisa ao deus de alguém, mas alguma coisa que eu realmente acho que seria bom pedir para aquela pessoa em especial.
Então hoje eu rezei pela minha avó ao Deus da minha avó. Minha oração foi: Se der, deixa ela mais um pouquinho com a gente. Mas não a deixe sofrer. Sei que minha família a quer de volta, mesmo com quaisquer seqüelas, mesmo de qualquer jeito, mas não a faça sofrer. Se ela tiver que sofrer, a leve logo, de uma vez, o mais rápido que puder. Aqui em baixo a gente agüenta.
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Eu estava me lembrando que, engraçado, de domingo para segunda tive um sonho com minha avó. Sonhei que ela estava descendo as escadas da casa dela, com dificuldades, mas sozinha, apoiada na grade. Tinha os pés descalços. Eu me espantava e a cuidadora dela dizia que, de uns tempos para cá, minha avó estava bem melhor.
(ela tem dificuldade de mobilidade e só sai de casa carregada por homens fortes)
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Mudando de assunto, porque me é necessário
Ontem fui dormir pensando que o autor do livro que terminei ontem fala que ninguém precisa mais de mártires, mas termina o livro falando das tais meninas na escola. Falando delas como mártires de uma Ruanda utópica.
O homem e suas contradições...
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